terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Continuação - Fórmulas cabalísticas no Batistério de San Giovanni

Fórmulas cabalísticas no Batistério de San Giovanni

Batistério de San Giovanni (São Jão), padroeiro de Florença, é considerado o edifício mais antigo desta cidade sendo famoso pelas suas magníficas portas de bronze. Fica na Piazza del Duomo, a oeste da igreja de Santa Maria del Fiore.
Consta que esta igreja foi construída no lugar onde havia um templo romano dedicado ao deus Marte, sendo incerta a data da sua fundação: possivelmente no IV-V século d.C., sendo aumentado no século VII durante o domínio lombardo após a conversão ao Cristianismo da rainha Teodolinda. A primeira citação documentada a este edifício data do ano 897, apontando a “basílica de San Giovanni Battista” (São João Baptista), a qual o Papa florentino Nicolau II reconsagrou em 1059, então catedral desta cidade, tornando-se oficialmente o Batistério de Florença a partir de 1128.
Herdando nas suas formas a tradição da geometria sagrada possuída pelos primitivos colégios de arquitectos e artífices romanos – collegiam fabrorum – que viriam a estar na origem da arte românica e depois a gótica, o Batistério é um edifício de planta octogonal com um diâmetro de 25,60 metros, e cujo significado associa-o de imediato ao sacramento do baptismo. Com efeito, na Idade Média as pias baptismais tinham frequentemente a base de forma octogonal, ou eram erigidas sobre uma rotunda de oito pilares. Para Santo Ambrósio, a forma octogonal simbolizava a ressusrreição, por o octógono evocar a vida eterna que se alcançava ao imergir o neófito nas águas das pias baptismais, obtendo o estado de graça. Os ritos do baptismo cristão incluem dois gestos ou fases de notável alcance simbólico: a imersão e a emersão. A imersão, hoje reduzida à aspersão, indica o desaparecimento do ser pecador nas águas da morte, a purificação através da água lustral, o retorno do ser à fonte de origem da vida. A emersão revela a aparição do ser em estado de graça, purificado, reconciliado com a fonte divina de vida nova. A pia baptismal medieval ocupava o centro deste espaço e era feita de mármore tendo à volta os signos do Zodíaco, além de estar decorada com motivos geométricos orientais, dizendo-se que a sua feitura fora inspirada na Divina Comédia de Dante Alighieri. Essa pia foi modificada em 1576 pelo artífice Bernardo Buontaleni a mando de Francisco I de Médici, e é a que hoje se pode ver.

Planta do Batistério
É assim que este Batistério octogonal representa o oitavo dia (octava dies), o tempo da Ascensão de Cristo, tal qual o neófito ascende ou se torna parte reconhecida do corpo místico de fiéis da Igreja pelo sacramento do baptismo. Para reforçar este sentido sacramental, em 1150 foi adicionada ao tecto do pavilhão uma lanterna octogonal.
De maneira a reflectir todo o universo espiritual e assim mesmo conter no seu interior a teologia do Céu, Purgatório e Inferno – inspiração danteana – a partir de 1270 a cúpula do Batistério foi revestida a mosaico com fundo dourado, e decorada com oito segmentos em octógono numa série de 6, numa perfeita disposição cabalística donde sobressai o número 48 (8×6), que Rábano Mauro (784-856), abade de Fulda, Germânia, dá como o número dos profetas bíblicos, dos ministérios divinos e das revelações espirituais. No topo deste esquema retrata-se a Hierarquia dos Anjos, a seguir a representação do Juízo Final, dominado pela grande figura do Cristo, e aos seus pés a ressurreição dos mortos, estando à sua direita os justos recebidos no Céu pelos patriarcas bíblicos, e à sua esquerda está o Inferno com os demónios e pecadores.


Para que houvesse por onde passar simbolicamente à salvação divina, foram construídas três portas de bronze: a Porta Sul obra de Andrea Pisano finalizada em 1336; a Porta Norte obra de Lorenzo Ghiberti finalizada em 1422, tendo em 1425 iniciado a execução da Porta Leste. Três portais reflectindo as Três Pessoas da Santíssima Trindade e igualmente os Novo e Antigos Testamentos cujo intermediário entre os antigos Patriarcas e os novos Apóstolos foi S. João Baptista.
Cada uma dessas portas foi concebida segundo um jogo numérico cabalístico. É assim que a Porta Sul consiste em 28 painéis quadrangulares representando cenas da vida de S. João Baptista e as virtudes, estando dispostos em filas de 7 verticais por 4 horizontais, enquadrados por uma moldura em losango lobado (também conhecida como “compasso gótico”). Os primeiros 20 painéis narram episódios da vida do Baptista, começando na ala esquerda (1-10) e depois ao longo da direita (11-20), seguindo-se as personificações das três virtudes teologais (21-23), Esperança – Fé – Caridade, com a adição da Humildade (24), e por fim as virtudes cardeais (25-28), Fortaleza – Temperança – Justiça – Prudência.

Na Porta Norte são novamente 28 painéis, agora com cenas do Novo Testamento, mostrando as duas últimas fileiras 8 santos: S. João, S. Mateus, S. Lucas, São Marcos (Apóstolos sinópticos), St.º Ambósio, S. Jerónimo, S. Gregório, St.º Agostinho (Doutores da Igreja). Antonio Paolucci descreveu esta Porta Norte como “o mais importante evento da História da Arte de Florença no primeiro quartel do século XV”. O significado cabalístico do valor 28 é o de reflexão, tal qual como a Lua em seu ciclo de 28 dias reflecte a luz do Sol, e essa reflexão é aqui a do devoto contemplando as figuras das portas para que apreenda o seu sentido último, conscientiza as virtudes que retratam e assim puder transpô-las rumo à perfeição do Paraíso.
A Porta Leste constitui-se de 10 painéis com cenas do Velho Testamento, tendo sido utilizada a nova técnica da perspectiva para que eles adquirissem profundidade, adquirindo um valor artístico próprio até então desconhecido. Michelangelo referiu-se a esta como a Porta do Paraíso, nome que permanece até hoje.

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