Você sabia que 1 de dezembro é o Dia Mundial de Luta contra a AIDS? Somente no Brasil, cerca de 920 mil pessoas vivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), segundo dados levantados pelo Ministério da Saúde e divulgados nesta terça-feira (1). Desse total, apenas 89% deles foram diagnosticadas com a infecção — ou seja, 11% das pessoas ainda podem transmiti-la, simplesmente por desconhecimento — e 77% fazem tratamento com antirretroviral, conforme divulgado pelo último Boletim Epidemiológico.
Em outras palavras, o vírus continua a ser uma grande questão para a saúde pública brasileira (e mundial), mesmo que os primeiros casos tenham sido relatados ainda nos anos 1980. Nesse cenário, á ciência continua a investir em formas eficientes e seguras de combater a infecção e, até mesmo, curar os pacientes contaminados pelo HIV.
Mesmo que essas pessoas tenham uma vida normal e consigam controlar o vírus através de antirretrovirais, ainda há inúmeros preconceitos em relação ao vírus. Entre as pessoas que testaram positivo para a infecção, é alto o índice de problemas de saúde mental (58,4%) e também há grande dificuldade em contar às pessoas sobre seu diagnóstico (80,7%), segundo o Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV e AIDS da cidade de São Paulo.
Por que é tão difícil desenvolver uma vacina contra o HIV?
Em menos de um ano da descoberta de um outro vírus, o novo coronavírus (SARS-CoV-2), pesquisadores e cientistas já estão em vias de aprovar uma vacina segura e eficaz. Inclusive, diversos países, como o Brasil, já discutem eventuais campanhas de vacinação em massa para a prevenção do vírus da COVID-19. Nesse sentido, é importante lembrar as diferenças entre os agentes infecciosos. Uma das vantagens do SARS-CoV-2 é o seu baixo nível de mutação.
“As proteínas do HIV não estão sempre na mesma posição e é como se elas mudassem de formato”, explica o infectologista e médico da BP - Beneficência Portuguesa de São Paulo, João Prats. Muito diferente desse cenário, a maioria das vacinas contra a COVID-19 mira na proteína spike na membrana do coronavírus, que é um ponto até agora considerado “fixo” neste agente infeccioso.
No caso do HIV, é como se uma proteína fictícia da sua membrana, chamada N, pudesse variar de posição de tal forma que, muito dificilmente, os anticorpos conseguiriam se encaixar nela. Além disso, o HIV "é também um vírus com alta taxa de mutação que pode ir mudando ainda mais essas proteínas e suas características, deixando cada vez mais difícil que os anticorpos ajam", lembra Prats.
Em paralelo, “o HIV não é uma doença, como sarampo, onde você tem melhora. O HIV não é assim. A pessoa se infecta, o vírus entra em uma latência e não é eliminado pelo sistema imunológico”, conta o infectologista. Dessa forma, as estruturas já adotadas por vacinas funcionam pouco.
“A primeira coisa que uma vacina tenta simular é uma resposta natural do corpo a uma infecção, mas a resposta natural do corpo ao HIV é totalmente inadequada”, detalha Prats. Nesse sentido, simular uma infecção não vai resultar na cura e, sim, em uma infecção persistente. É isso, por exemplo, que se comprovou nos estudos de um imunizante contra o HIV, desenvolvido pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (NIH) dos Estados Unidos.
Mesmo que o cenário pareça amedrontador, "existem anticorpos [proteínas] capazes de neutralizar o vírus do HIV, só que eles não são comuns nas pessoas ou aparecem em pequenas quantidades", explica Prats. Por causa desses anticorpos naturais em alguns organismos, alguns (raros) pacientes podem controlar sozinhos a infecção por HIV.
Casos de cura do HIV?
Na ainda breve trajetória de curas do HIV, outras duas estratégias — vale ressaltar, de quase impossível reprodução — já foram aplicadas com sucesso. O norte-americano Timothy Ray Brown, foi tratado na cidade alemã de Berlim e se tornou a primeira pessoa a ser considerada curada do HIV, em 2007. Para isso, o paciente passou por um transplante de medula óssea, enquanto se tratava de um caso de leucemia, e como resultado do tratamento se viu livre do vírus.
Após uma década, outro paciente, Adam Castillejo, foi declarado curado do HIV, no ano de 2019, após um transplante de medula óssea para tratar de um linfoma (outro tipo de câncer). Em ambos os casos, a cura de deu a partir de procedimentos arriscados e bastante invasivos para qualquer pessoa, ou seja, não poderiam ser replicados em massa.
Em ambos os casos, a cura da infecção ocorreu a partir de um transplante de medula óssea de doadores que não produzem uma determinada proteína, cuja presença no sangue é necessária para que o HIV possa se reproduzir. No entanto, ainda é possível que, eventualmente, o HIV possa voltar a se manifestar no corpo de um dos ex-pacientes. Além desses casos, outras inúmeras tentativas foram fracassadas ao replicar esse sucesso e a infecção voltava após a interrupção do tratamento com antirretrovirais.
Outra questão que impede o método de se tornar uma alternativa e um protocolo oficial para a cura do HIV é porque o transplante de medula é caríssimo tanto do ponto de vista financeiro quanto do pessoal, já que há um risco grande de óbito. Por isso, é consenso de que este não seja o caminho para o tratamento em massa.
Pesquisa nacional contra o HIV
Sem a necessidade de um transplante de medula, um homem brasileiro, de 34 anos, pode ter sido curado do HIV, através de uma pesquisa — ainda em andamento e não publicada em revistas científicas — desenvolvida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O paciente em questão foi identificado com o vírus pela primeira vez em 2012, mas, desde março de 2019, está sem receber nenhum medicamento antirretroviral. Até agora, testes laboratoriais rotineiros não conseguiram detectar o material genético do HIV em seu organismo.
De acordo com Prats, essa pesquisa da Unifesp envolve uma série de estratégias para o combate final do HIV, como uma intensificação dos antirretrovirais receitados, uma vacina feita com o próprio vírus da pessoa que induz a uma resposta imunológica intensa e algumas moléculas utilizadas que tentam tirar o vírus da latência — quando ele persiste no organismo em uma forma não infecciosa. Para o infectologista, inclusive, "teve resultados bastante promissores", mas ainda não é possível estimar um prazo para a cura acessível do HIV.
Ainda sobre o experimento, Ricardo Sobhie Diaz, que é coordenador do estudo e diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Unifesp, comenta que foi concluída apenas a primeira fase do estudo e que, devido à pandemia da COVID-19, a próxima fase ainda não foi iniciada, já que pacientes com HIV fazem parte do grupo de risco para o coronavírus. No entanto, as perspectivas de Diaz são positivas em relação aos próximos passos, e ele explica que em cinco anos terá um novo protocolo de combate ao HIV.
Realidade: tratamentos de controle do HIV
“Até o presente, não há nenhuma possibilidade de cura para o HIV”, defende Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo. “Não existe nenhum indício forte de um caminho para a cura”, ressalta, sobre a “pandemia que nós não vencemos”.
“Portanto, a estratégia que foi definida internacionalmente é testar o máximo de pessoas possíveis, detectar precocemente que a pessoa é HIV positivo, medicá-la para que baixe a carga viral até zerar. Se eu conseguir zerar a carga viral de todos os pacientes, eu posso reduzir a transmissão do HIV. Esta é a maior aposta do controle do HIV”, completa o professor.
Sem uma cura à vista pelos próximos anos, é inegável lembrar que a condição de pacientes positivos é muito boa, desde que haja acompanhamento médico e adoção dos remédios retrovirais indicados pelo infectologista. Agora, na prevenção, a camisinha continua a ser fundamental. Outro importante método na prevenção do HIV é a profilaxia pós-exposição, a PrEP, para acidentes que envolvam troca de fluido sanguíneo, como um acidente com profissionais da saúde até violência sexual e casos em que a camisinha estoura.
Para grupos de risco do HIV, há ainda a opção das Profilaxias Pré-Exposição (PrEPs). Nesses casos, a pessoa adota, de forma preventiva, o uso de medicamentos antirretrovirais antes da exposição sexual ao vírus e isso reduz a probabilidade de infecção pelo HIV. Nesses casos, o indivíduo deve ingerir um comprido por dia, composto por dois medicamentos.
Entre as novas tecnologias na prevenção de infecções devido ao HIV, a Fundação Bill & Melinda Gates aposta em novo remédio contra o vírus, que está em fase 3 de testes em humanos. A ideia do medicamento, ainda em pesquisa, é que seja possível tomar um único comprimido por mês para a prevenção prolongada e segura da infecção. Por enquanto, os testes dessa forma de PrEP injetável são realizados em 4,5 mil mulheres tanto na África subsaariana quanto nos EUA. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também testa um método semelhante, porém, com base em outros medicamentos.
HIV e AIDS é a mesma coisa?
Vale lembrar que HIV e AIDS não são sinônimos. Quando se usa o termo HIV, refere-se ao vírus da imunodeficiência humana, já a AIDS é a síndrome da imunodeficiência humana adquirida. Nesse sentido, estar infectado pelo vírus não significa ter a síndrome. Isso porque a AIDS só é um termo usado quando o paciente está em um estágio avançado da infecção, ou seja, quando ocorre um grande comprometimento do seu sistema imunológico.
Fonte: Com informações: Agência Brasil, Ministério da Saúde, ICTQ, UNAIDS e GIV